Relatório 36: blá-blá-blá
Velva ficou excitada quando chegamos ao Rio de Janeiro. Não, não foi por causa das praias. E muito menos por causa de minha companhia. Ela ficou excitada porque era o ano de 1992 e ali estava ocorrendo a Conferência Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Eco-92, se você gosta de abreviaturas.
“Uau, que demais!”, disse ela enquanto sobrevoávamos a área no interior da Vork. Claro, com o sistema de invisibilidade ligado. “Sabia que 179 países estão representados aqui, Kubno?”
“Não.”
Mas devia imaginar. Alguns jornais disseram que quarenta mil pessoas vieram à cidade. Os restaurantes macrobióticos nunca faturaram tanto.
“Precisamos de um critério para escolher nosso entrevistado.”
“Por que não pegamos a pessoa que mais trabalhou, aquela que realmente deu duro ao longo de todo o encontro, tenente?”
“Grande ideia!”, disse Velva dando-me uma chifrada nas costas como cumprimento. Meus cem olhos reviraram de felicidade.
Fizemos, então, a consulta no computador de pulso.
Foi aí que tivemos uma surpresa.
Em vez de algum político, ativista ou ambientalista famoso, o computador nos disse que a pessoa que mais trabalhou na Eco-92 foi uma tal de Valdirene da Silva. Valdirene era a operadora de xerox.
Transformamo-nos em humanos e fomos falar com ela. Eu puxei conversa dessa vez: “Podemos falar um minuto, Val?”
“Sim”, a moça respondeu enquanto comia uma gororoba fria em sua marmita. “Mas desculpem, não posso parar de tirar cópias.”
“Que documentos são esses?”, Velva perguntou.
“Tem de todo tipo: isso são cópias do Protocolo de Kioto, essa é uma tal de Carta da Terra, e aquelas ali são convenções: uma sobre mudanças climáticas, outra sobre biodiversidade e outra sobre desertificação. Que mais? Esta proposta para reduzir a emissão de CO2 e esta declaração sobre meio-ambiente e desenvolvimento. Pelo jeito vou perder o último ônibus.”
“E o que é esse calhamaço?”, perguntei apanhando um pesado volume.
“É uma tal de Agenda 21”, respondeu Valdirene enquanto alimentava a máquina copiadora com novas resmas de papel. “Estão falando um bocado desse negócio aí.”
Velva fez a leitura vapt do documento. Leitura vapt é um recurso que nós, tralfamadorianos, usamos para decifrar um texto em segundos. Sabe leitura dinâmica?
Perto da vapt ela é uma tartaruga manca.
“Tem um bocado de blablablá aqui”, disse Velva, “mas pelo menos se fala em um novo modelo de desenvolvimento.”
“Por que não vamos ver como está a adoção dessas metas em 2011?”
“Hoje você está tendo ótimas ideias, Kubno.”
“Posso falar de outra que estou tendo agora?”
Fazia tempo que eu não levava uma rabada.
Chegando a 2011, a decepção: as boas intenções da Agenda 21 continuavam sendo boas intenções. 1.800 municípios de 64 países haviam optado por seguir seus princípios, mas 90% destes estavam no hemisfério norte. Na Noruega e na Suécia, ela fora adotada em quase todas as cidades. Noruega e Suécia. Desde quando esses lugares fazem parte do problema?
Detesto ser pessimista, mas parece que aquela papelada toda não valeu o corte das árvores. Resolvemos sair, então, para dar uma espairecida. Estávamos voando pela rua, quando, olhando à frente, reconhecemos Valdirene.
Vinte anos mais velha, ela embarcava num ônibus ao lado de três crianças. Ficamos curiosos e tentamos segui-la, mas quando o ônibus partiu, soltou pelo escapamento uma fumaça preta cheia de monóxido de carbono e dióxido de nitrogênio, o que nos deixou cegos por um minuto.
“Sabe o que falta a essa gente?”
“Não.”
“Educação. E sabe com quem vamos falar agora?”
“Não.”
“Espere e verá. Vamos dar um pulo em 1732.”
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