Relatório 30: Meu duelo com Jânio Quadros
O interesse de Velva pela Amazônia a levou às pesquisas, e as pesquisas a levaram a descobrir um lugar: o Parque Indígena do Xingu. O Parque é uma extensão de 2.642.003 hectares situado no nordeste de Mato Grosso. É terra para chuchu. Ali vivem mais ou menos cinco mil indivíduos pertencentes a dezesseis povos indígenas. Como a área foi homologada em 1961, a tenente Velva ordenou que voltássemos àquele ano.
“Na forma humana?”
“Não, na forma de girafas cor-de-rosa.”
Custava ter respondido com educação?
Chegando ao Palácio do Planalto, fomos barrados por um jovem de paletó preto.
Ele se chamava Adenor. Devia ser segurança ou algo assim: “Ei, psss! Onde pensam que vão?”
“Falar com o presidente Jânio Quadros.”
“Mas como assim? Vocês são o quê?”
“Embaixadores.”
“De onde?”
“Tralfamador.”
Adenor franziu a testa, coçou a cabeça, depois de um sorriso estranho e disse: “Ah, sim, Tralfamador. Lindo país. Terceira porta à esquerda.”
O presidente tomava um pequeno copo de, creio, água quando entramos pela sala:
“Como ser-vos-ia útil, prezados dignitários?”
Velva respondeu: “Viemos fazer uma pesquisa sobre o Parque do Xingu, presidente, e gostaríamos de saber como ele foi criado.”
“Bela senhorita, a ideia do Parque remonta ao ano de 1952. Ele foi idealizado por sertanistas famosos do Brasil.”
“Os irmãos Villas-Boas?”
“Exatamente. Vejo que além de formosa, sois inteligente.”
“Obrigada.”
“Inicialmente pensou-se numa área maior, mas o governo de Mato Grosso foi concedendo terras a companhias colonizadoras; agora, no momento em que o criei, ele tem apenas um quarto do volume original.”
“Qual o propósito do Parque?”
“Formosa embaixadora de aprazíveis pernas, dir-vos-ei que é garantir a proteção da natureza e dos povos indígenas, sabidamente ingênuos e vulneráveis às influências do homem branco.”
“O senhor acha que ele pode ser invadido?”
“Encantadora musa, não vejo risco. A área é longínqua e inóspita, não convidando à aproximação; ao contrário dos vossos lábios, que convidam ao mais ardente beijo.”
Aquilo estava passando dos limites. Mas fui engolindo seco.
“E se eu disser”, Velva continuou, “que daqui a vinte anos ocorrerão invasões de caçadores e pescadores; e que daqui a quarenta anos o Parque será uma isolada mancha verde cercada de pastos e monocultura da soja.”
“Responder-vos-ia que isso é um exercício de profecia, e que, olhando para a senhorita, eu tenho vaticínios mais prazerosos.”
Aquela cantada me deixou com tanta raiva que desliguei o mutômetro e assumimos nossas formas reais.
“Céus! Preciso parar de beber! Estou tendo alucinações!”, disse o presidente.
“Se este é o problema, deixe comigo”, falei. Então saquei minha pistola desintegradora e atirei numas garrafas.
“Meu Chivas Regal!”, ele exclamou com lágrimas nos olhos. “Oh, forças terríveis se levantam contra mim…”
Coloquei um tentáculo na ponta de seu nariz e disse: “Bigode de vassoura, chega de cantadas baratas.”
“Claro, claro.”
Velva, rindo, indagou: “Não sou mais bela, formosa e encantadora?”
O presidente chacoalhou a cabeça de um lado para o outro diversas vezes, como que dizendo: Não, não, não!
“Está dizendo que sou feia para seus padrões?”
“Imagine, você é maravilhosa!”
“Como?”, perguntei apontando-lhe minha arma.
Sem saber o que fazer, ele botou as mãos sobre a cabeça e disse: “Se elogio, sou ameaçado, se não elogio, também… Minha única saída é renunciar…”
O presidente sentou-se e começou a escrever alguma coisa. Perguntei para Velva: “Vamos pegar a estrada?”,
Ela me respondeu: “Sim, mas não uma muito boa. Vamos visitar a Transamazônica.”
Tags: Jânio Quadros, Parque do Xingu, relatório
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